HISTORIOLOGIA PROTESTANTE


Durante mais de 100 anos o protestantismo nacional ficou imperceptível na historiografia brasileira e ainda hoje são raros os autores, fora do meio protestante, que fazem menção à participação e influência dos diversos ramos do cristianismo protestante implantados no Brasil desde o século XIX. Este espaço destina-se primariamente a tornar visível esta importante parcela do cristianismo protestantismo nacional

MUDANÇA DE PARADIGMA TEOLÓGICO DO PROTESTANTISMO NO BRASIL E A FUNDAÇÃO DA ASTE[1]
Uma organização muito importante no contexto histórico das décadas de cinquenta e início dos sessenta é a Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE). Ela foi uma fomentadora de propostas ecumênicas e abasteceu os seminários no Brasil de uma literatura teológica pensada na Europa e mais progressista, fugindo assim do padrão norte americano e conservador.
Com apoio do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) ela foi fundada no dia 19 de Dezembro de 1961, em Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, São Paulo, numa Assembleia Constituinte, tendo as dependências do Seminário Teológico da Igreja Metodista como sede deste primeiro encontro da ASTE[2] tendo como representantes deste momento histórico: Paul Schelp, Nathanael I. do Nascimento, Aharon Sapsezian, Jaci C. Maraschin, Harding Meyer , Othon G. Dourado, Carlos Cunha, José Del Nero, Isaías F. Sucasas, Martin Regrich, Júlio A. Ferreira, então diretor do Seminário Presbiteriano de Campinas e José Borges dos Santos Jr., então presidente do SC da IPB (cf. identificados na foto ao lado).
Após eleição a primeira diretoria ficou assim constituída: Presidente: Júlio Andrade Ferreira (IPBVice-presidente: Oton Guanais Dourado (IPBSecretário: Jaci Correa Maraschin (AnglicanoTesoureiro: Nathanael I. Nascimento (Metodista). Também foram eleitas diretorias para três departamentos que funcionariam permanentemente: Depto de Literatura: Pres. A. Bem Oliver, Aharon Sapsezian (Redator da Revista) e dois Membros: Heinrich Tappenbeck, Benedito de Paula Bittencourt e Merval Rosa; o Centro Evangélico de Estudos tendo na presidência: Nathanael Innocêncio do Nascimento e como Membros: Joaquim Beato, João Mizuki, Waldir de Carvalho Luz e Carlos Cunha; Depto de Reconhecimentos e Bolsas sendo o presidente Wilson Guedelha e como Membros:  Paul Schelp, Harding Meyer, Jaci C. Maraschin e José Gonçalves Salvador (LONGUINI NETO, 1991, p. 87).
Os três Seminários Presbiterianos em funcionamento naquele período, Campinas (SP), Recife (PE) e o recém-formado Centenário em Vitória (ES), fizeram parte das instituições teológicas fundadoras da ASTE, bem como instituições[3] de outras denominações como Batista, Congregacional, Presbiteriana Independente, Metodista, Luterana, Episcopal, Igreja Evangélica Armênia.
Na Revista Teológica do Seminário Presbiteriano de Campinas de dezembro de 1962 a ASTE é assim apresentada aos leitores, pelo Rev. Prof. Julio A. Ferreira, que foi seu primeiro presidente:
Essa associação foi fundada em dezembro de 1961, e é, de certo modo, continuadora da Comissão de Literatura Teológica, fundada sob os auspícios do Fundo de Educação Teológica e, no Brasil, da Confederação Evangélica do Brasil. Como já tivemos oportunidade de anunciar por esta Revista, a ASTE através de seus três departamentos, Reconhecimentos e Bolsas, Literatura Teológica e Centro de Estudos Evangélicos é uma organização da qual muito se espera. Estamos informados que neste ano, além dos primeiros passos indispensáveis e complexos para a estruturação da novel Associação, já foram tomados sérios contactos com o Fundo de Educação Teológica, de modo, a obter deste a promessa de um ― major grant. São sim previsíveis as consequências benéficas dessa grande dádiva no levantamento geral do nível da educação teológica em todo o Brasil.
Por outro lado, estão em franco andamento os preparativos para um simpósio sobre a situação atual da Igreja Católica Romana. Espera-se que em princípios de novembro se dê, em S. Paulo, provavelmente na Associação Cristã de Moços (ACM), tal encontro. Para a primeira parte do próximo ano já está sendo planejado um encontro de Seminários para estudo sério de reestruturação de currículos teológicos. (p. 5-6).
Será através dos Simpósios promovidos pela ASTE e de seu Departamento de Literatura que os seminaristas haverão de serem impactados e desafiados a assumirem um posicionamento mais propositivo em relação às questões relevantes da sociedade brasileira. Em 1963 e 1964 o Rev. José Borges dos Santos Jr. foi um dos conferencistas dos Simpósios anuais promovidos pela ASTE; ele ainda 1964 participa de 02 reuniões; em 1966 participa de 01 reunião do Conselho; e a partir de 1967 não constam mais atividades junto a esta organização teológica.
Ao introduzir a teologia dialética de Karl Barth (1886-1968), posteriormente chamada de ―teologia da Palavra de Deus e mais recentemente englobada sob a nomenclatura generalizada de ―neo-ortodoxia, apontando para ação contínua de Deus na história humana e que segundo ele o ser humano torna-se peça fundamental nesta ação divina, somando-se a outros teólogos como Emil Brunner (1889-1966) e Rudolf Bultmann (1884-1976) e um que particularmente impactou com mais força a juventude cristã brasileira, Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) que foi martirizado pelos nazistas alemães e que em suas cartas posteriormente editadas, desafiava os cristãos a vivenciarem a fé no meio da sociedade secularizada indo além de uma religiosidade e mesmo além das estruturas eclesiásticas das igrejas, cuja teologia recebe o título de ―Teologia Radical. Através destas literaturas a ASTE vai começar a mudar o bibliocentrismo teológico conservador cultuado nos seminários, assim como contribuirá para atiçar ainda mais o fogo que começa a incendiar a alma dos jovens estudantes de teologia brasileira, que culminara em um crescente movimento de contestação dentro das instituições teológicas e que se espalhara pelas denominações através de seus departamentos de jovens.
A Mocidade presbiteriana com suas lideranças engajadas, entre eles Waldo César, Cirene Louro, Paulina Steffen, Homero Silva, Esdras Borges Costa, Lysâneas Maciel, Elter Maciel, e sua estrutura organizacional espalhada por todo país, que em 1958 contava com 17.000 membros e 600 sociedades organizadas (União de Mocidade Presbiteriana - UMP), esta intensamente envolvida e acaba assumindo a vanguarda dos movimentos progressistas que estão polvilhando o protestantismo brasileiro.
Evidentemente que tudo isto faz disparar o alarme das autoridades eclesiásticas mais conservadoras, que certamente não estavam preparadas para tantas convulsões ou simplesmente não desejavam mudanças estruturais, pois as estruturas produzem uma sensação de segurança e poder. A reação é imediata, como pudemos constatar em diversos momentos desta pesquisa e que culminara com a extinção da Confederação Nacional de Mocidade e a intervenção e fechamento de seminários e o expurgo de toda a liderança progressista em todos os âmbitos da denominação.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

Referências Bibliográficas
FILHO, Manoel Bernardino de Santana. A ASTE e a ditadura militar. Mnemosine Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFCG, v.5, n. Especial, 2014. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/~historia/mnemosinerevista/Revistas/Vol%205%20Num%20Especial%20-%202014.pdf. Acesso em: 20/09/2015.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
LONGUINI, Luiz. O Novo Rosto da Missão. Viçosa, MG: Ultimato, 2002.

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_________________________________________________________________________________[1] Aparte do meu livro: O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo (cf. ref. abaixo), com acréscimos e notas de referências.
[2] Houve quatro reuniões do conselho deliberativo da Comissão de Literatura do Fundo de Educação Teológica (FET) criado em 1958 pelo (CMI), como preparativo para esse momento conclusivo: a primeira nos dias 23 e 24 de junho de 1960 e a segunda no dia 07 de setembro do mesmo ano, ambas no Rio de Janeiro; a terceira nos dias 14 a 16 de maio de 1961 e a quarta e última desse conselho sendo a primeira da ASTE no dia 19 de dezembro, em São Bernardo do Campo (SP). Ela nasce independente da CEB (Confederação Evangélica do Brasil) e do FET, ainda que recebia suporte financeiro deste último organismo internacional.
[3] Lista completa dos Seminários fundadores: Seminário Presbiteriano do Norte – Recife/PE; Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil – Recife/PE; Seminário Teológico Presbiteriano do Centenário – Vitória/ES; Seminário Teológico do Rio de Janeiro – Pedra de Guaratiba/RJ; Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil – Rio de Janeiro/RJ; Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente – São Paulo/SP; Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Livre – São Paulo/SP; Faculdade da Teologia da Igreja Metodista – Rudge Ramos/SBC/SP; Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas - Campinas/SP; Seminário Concórdia da Igreja Evangélica Luterana – Porto Alegre/RS; Seminário Teológico da Igreja Episcopal do Brasil – Porto Alegre/RS; Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana – São Leopoldo/RS.

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