Mateus: Introdução Geral - Autoria
Nenhum outro dos livros que compõem o Segundo
Testamento e/ou Novo Testamento poderia inicia-lo de forma tão harmoniosa como
o evangelho escrito por Mateus. Nenhum dentre os documentos cristãos serve de
elo de ligação tão perfeito com a primeira parte da Bíblia, composta pelos
escritos judaicos, do que a narrativa evangélica elaborada pelo apóstolo
Mateus. Abaixo menciono rapidamente algumas opiniões de conceituados estudiosos
sobre este primeiro evangelho:
“Em grandeza de concepção, e no rigor com que uma massa de material se
subordina a grandes ideias, nenhum livro em qualquer um dos Testamentos,
tratando de um tema histórico, deve ser comparado com Mateus.” (Zahn, 1953,
p.556).
“O evangelho de Mateus tem sido aceito em todos os
tempos, como narrativa autoritária da vida de Cristo, o documento fundamental
da religião cristã.” (SCOTT, 1932, p.65).
“Pelos meados do século II d.C., era o mais usado
dos evangelhos, evidenciado pelo fato que escritores cristãos do segundo século
citam-no mais que qualquer outro evangelho.... Mateus parece ter sido o
primeiro evangelho universalmente aceito pela igreja como autoritário, e em pé
de igualdade com o A.T.” (CHAMPLIN, 1985, p.259).
Autoria
Nenhum dos evangelhos bíblicos trazem originalmente
a identificação de seu autor. Mas isso não significa que os nomes indicados em
nossas bíblias sejam artificiais, pois há três tipos de evidências que são
utilizadas para se chegar a uma conclusão satisfatória sobre a autoria deste primeiro
evangelho, bem como de todos os demais livros bíblicos: o título, evidência
externa e evidência interna. Verifiquemos cada uma delas:
O Título: É aceito pela grande maioria dos
estudiosos, que os títulos dos evangelhos do Novo Testamento não estavam
inseridos nos autógrafos[1], mas foram adicionados posteriormente. Naqueles
dias iniciais do primeiro século, sobretudo os orientais, não tinham o costume
de nomear seus escritos, a não ser as cartas pessoais (ex. as cartas de Paulo).
Mas como explica João Leal, os títulos nominais dos evangelhos já são
encontrados no segundo século e de acordo com ele “possivelmente nasceram ao
começo, com o fim de distinguir os Evangelhos autênticos e oficialmente
reconhecidos pelos bispos católicos dos outros apócrifos e não admitidos na
leitura oficial das Igrejas” (1945, p. 37-38). Carson corrobora o valor
histórico destes títulos que nomeiam os evangelhos:
Muitas vezes se afirmam que o evangelho
tradicionalmente conhecido como de Mateus é, à semelhança dos outros evangelhos
canônicos, obra anônima. Do ponto de vista formal, isso é correto, se o
padrão de comparação for, digamos, a epístola de Paulo aos romanos, em que as
linhas iniciais do texto identificam tanto o autor quanto os primeiros
leitores. Não há nada semelhante a isto em Mateus, Marcos, Lucas e
João. No entanto, não temos qualquer prova de que esses
evangelhos chegaram a circular sem uma designação adequada, kata lahaiom (kata
Mathoaion, “segundo Mateus”) ou algo parecido” (1997, p. 72-73 – Itálico meu).
Em relação a este evangelho a tradição histórica é
universal: todos os manuscritos encontrados trazem alguma espécie de inscrição
referente a Mateus. Alguns pesquisadores sugerem que este título foi inserido
bem cedo, próximo a 125 d.C. A inscrição simples encontrada no manuscrito
Aleph B (segundo Mateus), com o tempo progrediu e ficou mais elaborado e no
quinto século o título comum já era (O Evangelho segundo Mateus), e
posteriormente passou a ser identificado como (o Sagrado Evangelho segundo Mateus)
MSS Bizantino e outros. Assim, com a existência destas abundantes inscrições,
somado ao fato de que em nenhum momento da narrativa evangélica o autor se
identifica, fortalece bem a posição de que Mateus foi o escritor.
Evidência Externa: A declaração mais
antiga de que Mateus escreveu algum material evangélico vem de Papias (100
d.C.),[2] citado por Eusébio [3], onde ele faz uma referência difícil de ser
claramente entendida em seu sentido literal: (‘compôs’?, ‘compilou’?), ‘dispôs
[de forma organizada]’? ) (‘as declarações’?, ‘o evangelho’?) em (na ‘língua
hebraica [aramaica]’?, ‘o estilo hebraico [aramaico]’?, e cada um os
(‘interpretou’?, ‘traduziu’?, ‘transmitiu’?) da melhor forma que
pôde”[4]. Por causa destas dificuldades os estudiosos aceitam esta
referência com reservas. É discutível se de fato a intenção de Papias era
identificar a “logia” como sendo todo o Evangelho de Mateus ou apenas uma
coleção de extratos ainda sem organização. Mas como ele também se refere
a Marcos afirmando que ele havia feito um arranjo da “logia do Senhor”, como se
referindo ao todo do nosso segundo evangelho, não há porque não aceitar o mesmo
tratamento em relação a Mateus. A opção mais consensual é de que Papias faz
referência a uma fonte de escritos copilados por Mateus e que provavelmente ele
os incorporou ao escrever o que nós temos hoje como o “Evangelho segundo
Mateus”. A conclusão possível é de que Papias está se referindo ao apóstolo
Mateus como autor de um material sobre a vida de Jesus. Se era um proto-Mateus,
“Q”, ou o Evangelho propriamente dito, não o sabemos ao certo, todavia, a
autoria de Mateus quanto ao primeiro evangelho é diretamente ou indiretamente
abalizado por esta declaração. Os estudos recentes que rejeitam esta
interpretação muitas vezes têm como objetivo apenas distanciar o máximo
possível a narrativa evangélica da vida de Jesus, de modo que haveria espaço
suficiente para se criar o mito ou lenda a seu respeito.
Ainda dentro das evidências externas temos a
citação de Ireneu: “Mateus publicou também um Evangelho entre os hebreus no
seu próprio dialeto, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e punham os
fundamentos da Igreja”[9]. Parece óbvio que Ireneu obtém a base desta
informação de Papias (pois ele conheceu pessoalmente seu trabalho), mas ele
adiciona dois pontos interessantes: (1) o público do trabalho
de Mateus era os judeus (ou cristãos judaicos); (2) o tempo em
que este trabalho foi escrito durante a permanência de Pedro e Paulo em Roma
(esta parte da tradição não recebe um testemunho independente). Mas, Ireneu
adiciona um ponto interessante, uma vez que os dois apóstolos estiveram em Roma
próximo de 60 d.C., isto pode ajudar a se fixar uma data para o Evangelho de
Mateus. Sucedem a estes outros como Origines, Eusébio, Jerônimo, Agostinho que
corroboram a opinião da autoria de Mateus[10].
Em relação a uma possível obra em hebraico-aramaico
escrita por Mateus, não há nenhum vestígio de manuscritos. Para Champlin são
poucos os “eruditos modernos pensam que Mateus teve um original hebraico,
como se o mesmo fosse apenas uma ‘tradução’ para o grego” e por esta razão,
continua ele “a maioria deles pensa que aqueles antigos personagens se
referem a alguma outra obra, talvez incorporada no evangelho de Mateus, mas não
próprio evangelho de Mateus, conforme o conhecemos hoje em dia” (1985, p.
259).
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