Ideias e conceitos conflitantes que se desenvolveram dentro do Cristianismo

Desde os primórdios do cristianismo sempre surgiu ideias e conceitos divergentes que no todo ou em parte deturpavam os princípios bíblicos que ortodoxamente estavam sendo estabelecidos. O processo histórico dos dogmas do cristianismo ou a História dos dogmas é um tema fascinante para percebermos que o cristianismo é algo vivo, dinâmico e que foi sendo forjadas na bigorna dos séculos sob o fogo incandescente das batalhas teológicas.
            As heresias e seus hereges (aqueles que as ensinaram ou defenderam) nem sempre eram pessoas que desejavam destruir o cristianismo ou até mesmo negavam as verdades emanadas da Bíblia, em um número expressivo de casos é justamente o contrário, essas pessoas imbuídas de fortes convicções defendiam suas opiniões, contrastantes, entendendo que contribuíam para uma melhor interpretação das verdades bíblicas e, portanto, contribuíam para uma Igreja Cristã melhor. Todavia, historicamente podemos observar que apesar de toda boa vontade, ou não, essas opiniões divergentes se provaram incoerentes e inconsistentes com o estudo mais amplo e fecundo das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Essas heresias não são privilégio do cristianismo primitivo ou mesmo do cristianismo católico, pois mesmo após a Reforma Protestante e do cristianismo dela emanado, continuam a proliferar aqueles que se posicionam à margem da ortodoxia clássica cristã. 
As heresias, ou seja, as opiniões divergentes em relação ao conjunto de verdades estabelecidas pela Igreja Cristã, podem ser divididas por temas ou áreas:  as relacionadas à Natureza de Deus; as relacionadas à natureza de Jesus; as relacionadas à natureza da Salvação; as relacionadas à natureza humana e as relacionadas à natureza da Igreja.
Esse pequeno glossário, que será paulatinamente ampliado, não tem pretensões maiores do que apenas indicar temáticas que já tem sido exaustivamente abordado em minúcias por uma infinidade de estudiosos ao longo desses XXI séculos de existência do Cristianismo.

ADOCIANISMO [Adopcianismo]: seus propositores declaravam que Jesus não foi realmente Deus, mas apenas um homem que revestido de graças especiais alcançou uma espécie de condição divina quando de seu batismo, no rio Jordão, efetuado por João Batista. Assim, se explica os poderes sobrenaturais e miraculosos de Jesus, bem como sua ressurreição. Essa ideia de que Cristo tinha sido apenas um ser humano que foi "adotado" como filho por Deus provou ser uma heresia persistente. Esse conceito, defendido ardorosamente por Teodoro da Bizantina, foi reiteradamente condenada pelo Papa São Victor I, que excomungou Teodoro. Em duas outras ocasiões 785 e 794 d.C. foi rejeitada pelo então Papa Adriano I. Por fim, quando trazida novamente à tona por Pedro Abelardo, no século XII, o Adocionismo foi novamente condenado pelo Papa Alexandre III em 1177.

ANOMEANISMO: vem da palavra grega anomoios – “dessemelhante” e se constitui em uma variante radical do arianismo. Os seus defensores consideravam que havia uma diferença de essência entre Deus e Cristo, uma vez que segundo eles Deus sempre existiu enquanto Cristo foi criado por Deus, de maneira que negavam a divindade de Jesus e refutavam a consubstancialidade e semelhança com o Pai. Também eram chamados de “aecianos” e “eunomianos” em referência aos nomes de seus dois maiores expoentes: Aécio, era sírio, diácono de Antioquia e estabelece suas teses a partir da dialética da Lógica clássica de Aristóteles, hábil polemista ; e Eunômio, da Capadócia, que se torna seu discípulo, todavia, com pouco tempo eclipsou o mestre por sua personalidade carismática e pela capacidade dialética. O Concílio de Constantinopla (381 d.C.) depôs Aécio do diaconato e pouco tempo depois Eunômio foi exilado. Foi Basílio de Cesaréia um dos que refutaram suas teses em seu tratado “Sobre o Espírito Santo”, de maneira que é possível resgatar a argumentação deles com base nas partículas ou preposições: de quem, por quem e em quem – pelas quais eles concluíram a diversidade de natureza do Pai, do Filho e do Espírito Santo. São denominados também de semi-arianismo e “radicais da segunda geração ariana”.   Apesar de ter constituído uma organização eclesiástica, centrada em Constantinopla, e investido vários bispos, após a morte de Eunômio (394 d.C.) essa comunidade e sua doutrina desapareceram. A maioria dos escritos de Eunômio foram queimados por ordem do imperados Arcádio, mas uma parte deles foram preservados pelos seus discípulos e podem revelar a sutiliza e sagacidade de sua mente lógica.

APOLINARIANISMO: vem do nome de seu mentor, Apolinário (310-390 d.C.), bispo de Laodicéia, na Síria (não confundir com Laodicéia na Ásia Menor), amigo de Atanásio e mestre de Jerônimo. Em seu labor para combater o Arianismo e estabelecer uma clara definição sobre a encarnação de Jesus, ele acaba por extrapolar os arraiais da teologia ortodoxa cristã. Sua doutrina, à semelhança dos teólogos de Alexandria, tem sido chamada de logos-sarx (Verbo-carne) e partindo da interpretação antropológica tricotômica (corpo, alma e espírito) ele concluiu que Cristo tinha um corpo humano, uma alma vivente, mas nenhuma alma racional (o centro da consciência, de tomada de decisões) que fora substituído em Jesus Cristo pelo divino Logos, ou Palavra de Deus. Ainda que seja interessante sua preposição ela esbarra no cerne da questão – Jesus deixa de ser plenamente humano, de maneira que ele não poderia ser o “representante/substituto legal” diante do tribunal da justiça divina. Gregório Nazianzeno argumenta contra a preposição de Apolinário declarando de que se o pecado tivesse contaminado apenas o corpo, esse Jesus seria suficiente para salvar os seres humanos, entretanto, o pecado contamina o ser humano em sua totalidade (corpo e alma) de maneira que o Verbo (Jesus) tinha que assumir a plenitude de nossa humanidade para ser o nosso salvador.  Esta teoria foi condenada nos sínodos romanos em 377 e 381 e pelo Concílio ecuménico de Constantinopla no último ano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maria Madalena era "prostituta"?

HISTORIOLOGIA PROTESTANTE

OS PTOLOMEUS OU LÁGIDAS